A Inteligência Artificial (IA) tornou-se uma prioridade estratégica essencial para Conselhos de Administração e líderes empresariais. Contudo, apesar da crescente percepção de sua importância, estudos indicam que mais de 90% dos projetos de IA ainda não entregam os resultados esperados, revelando desafios complexos e profundos em sua implementação.
Neste cenário, é crucial evitar dois extremos: o otimismo ingênuo que acredita na capacidade imediata da IA em resolver todos os problemas organizacionais, sem falar na crença, em alguns círculos, da chegada iminente da ‘singularidade’ quando a AGI (Artificial General Intelligence) ou ASI (Artificial Super Intelligence) for alcançada e o ceticismo exagerado que a considera apenas mais uma tecnologia comum, sem impacto transformador.
Um recente estudo da Cisco ressalta esse paradoxo. Embora 97% dos CEOs globais tenham manifestado interesse em incorporar a IA às suas operações, apenas 1,7% acreditam que suas empresas estejam totalmente prontas para essa mudança. As barreiras identificadas incluem infraestrutura tecnológica insuficiente, escassez de competências técnicas internas e preocupações sérias com segurança cibernética e proteção de dados. A pesquisa também revelou que 74% dos CEOs consideram que seu limitado conhecimento técnico sobre IA pode prejudicar decisões estratégicas e que mais da metade já sofreu perdas concretas de competitividade por investimentos inadequados em tecnologia.
Para enfrentar adequadamente esses desafios, é necessário que as organizações adotem uma abordagem estruturada e abrangente, apoiada por três pilares essenciais: Pessoas, Políticas e Processos, conforme destacado no artigo "AI In The Boardroom" de Kelly Huang, da Revista Forbes.
Pilar Pessoas
É fundamental investir continuamente em treinamento e capacitação das equipes internas, especialmente líderes, executivos e membros do conselho. O artigo enfatiza que a falta de fluência em IA pode atrasar significativamente as respostas às rápidas mudanças tecnológicas e de mercado, comprometendo o potencial transformador dessa inovação. Assim, torna-se urgente que os conselhos se comprometam com programas de capacitação específicos em IA para garantir decisões informadas e estratégicas.
Não basta conhecer a tecnologia, cada vez mais tenho observado que para alcançar resultados significativos a equipe responsável pela implementação de IA deve conhecer profundamente a essência do problema, indo além do conhecimento de quem simplesmente segue processos operacionais estabelecidos. Esse é um dos “first principles thinking” citados por Elon Musk, ressaltando que a inovação verdadeira parte de entender profundamente a natureza essencial dos desafios.
Um equívoco comum é adquirir licenças de ferramentas de IA para toda a empresa sem o devido preparo dos colaboradores. Empresas bem-sucedidas abordam isso de maneira estruturada, como exemplificam a Seja:Digital, que treinou todos os funcionários antes de liberar as licenças, e a Alvarez & Marsal, que condicionou o fornecimento de licenças ao término dos treinamentos. Nesses casos, profissionais capacitados têm sido capazes de criar aplicações práticas e efetivas de IA, desde assistentes inteligentes até agentes orquestradores de processos. Tenho visto que os casos mais produtivos são de profissionais não técnicos e com o conhecimento básico de IA, com um problema específico para resolver, dedicam um tempo para implementar uma solução de forma eficaz e depois retornam as atividades habituais.
Pilar Políticas
Políticas claras e rigorosas são essenciais para garantir o uso responsável e ético da IA. É necessário estabelecer diretrizes robustas que previnam o mau uso de dados sensíveis, mitiguem vieses algorítmicos que possam levar a decisões injustas ou discriminatórias e as potenciais “alucinações”. O artigo destaca o caso emblemático do algoritmo discriminatório utilizado pela Amazon, que prejudicou candidatas mulheres devido a vieses presentes nos dados de treinamento. Na época as aplicações de IA mais avançadas eram baseadas em modelos clássicos de Machine Learning. Mesmo grave, esse tipo de problema na Amazon era fácil de observar e medir. Com a IA generativa, os viéses ficam embutidos e escondidos no modelo. Para apoiar empresas nessa tarefa crítica, a certificação ISO 42001:2023, discutida no artigo "ISO 42001: como o selo global de IA pode redefinir a inovação no Brasil", emerge como uma ferramenta estratégica. Essa norma internacional estabelece requisitos detalhados para implementar sistemas de IA seguros e éticos, exigindo uma gestão criteriosa de riscos e avaliações contínuas de impacto durante todo o ciclo de vida dos sistemas.
Adicionalmente, há um risco emergente pouco abordado pelas empresas: a perda do conhecimento organizacional. Com o avanço das aplicações de IA, muitas aplicações têm sido desenvolvidas sem o registro adequado dos prompts e interações que a originaram, resultando em soluções cuja lógica e funcionamento internos tornam-se desconhecidos ou incompreensíveis. Isso é especialmente válido no uso de IA para programação, cuja consequência é similar a possuir apenas o programa executável sem o código-fonte. Outro impacto é a complexidade do código gerado pela IA. O software poderá ter evoluído de forma que se torna ingerenciável sem IA.
Pilar Processos
Uma gestão interna clara, eficaz e constantemente revisada é fundamental. Líderes executivos, incluindo CEOs, CFOs, CHROs e especialistas técnicos, precisam estar profundamente envolvidos na implementação da IA para garantir alinhamento estratégico, monitoramento contínuo e ajustes oportunos.
Além do potencial técnico da tecnologia, os gestores precisam assegurar que a IA esteja integrada estrategicamente aos objetivos centrais da organização e que as equipes estejam devidamente preparadas para absorver suas implicações práticas, conforme abordado no estudo da Cisco.
Nesse âmbito, destacam-se dois elementos essenciais: A Gestão de Mudanças e a Gestão de Riscos.
Implementar IA é, na prática, integrar uma nova "pessoa" aos fluxos operacionais da empresa, demandando uma adaptação cultural profunda e preparação consistente das lideranças e colaboradores. Sem uma cultura organizacional preparada para assimilar essa mudança significativa, as iniciativas em IA tendem a permanecer limitadas a projetos-piloto que dificilmente escalam.
A Gestão de Riscos é indispensável para avaliar sistematicamente todos os impactos potenciais, sejam eles positivos ou negativos. Isso inclui análise de questões éticas, conformidade regulatória, segurança operacional e gestão da reputação. Empresas que negligenciam essa gestão criteriosa correm o risco de enfrentar graves consequências operacionais, legais e de imagem, comprometendo severamente sua posição no mercado.
Adicionalmente, conforme destacado pelo "Guia IA para Conselheiros de Administração", produzido pelo IBGC em parceria com Accenture e Microsoft, as organizações precisam avaliar cuidadosamente onde e como a IA pode realmente agregar valor estratégico. Segundo este guia, a IA deve ser integrada de forma a apoiar diretamente os objetivos estratégicos e operacionais da empresa, permitindo uma transformação efetiva e mensurável.
Para a identificação de aplicações que gerem valor ao negócio, uma abordagem recomendada é dividir as iniciativas em quadrantes estratégicos: em um eixo o uso da IA para revolucionar ou melhorar processos internos; e no outro o uso da IA voltado para otimização interna ou interações com clientes e criação de novos negócios. Para começar a gerar impactos mais rapidamente, iniciativas internas muitas vezes são mais eficazes, sejam através da soma de pequenas melhorias ou da transformação radical de processos específicos.
Nesse sentido, minha experiência em Centros de Serviços Compartilhados (CSCs) e empresas de Business Process Outsourcing (BPOs) e minha atuação como sênior advisor, comprova que as áreas administrativas, em particular, apresentam grandes oportunidades para a aplicação prática e imediata de IA. No entanto, devido à pressão constante por redução de custos, essas organizações podem ter dificuldades em investir sem um retorno evidente no curto prazo.
Conclusão
Finalmente, fica a provocação estratégica essencial para líderes e conselheiros: em vez de simplesmente perguntar "como aplicar IA?", é necessário refletir profundamente sobre "onde faz sentido estratégico aplicar IA – e quais alinhamentos internos são indispensáveis para gerar valor real com segurança e escala". Essa abordagem equilibrada permitirá às organizações superarem desafios atuais e explorarem plenamente as oportunidades concretas que a inteligência artificial já oferece hoje, preparando-se efetivamente para o futuro.
Registro ainda meus agradecimentos a Paulo Vaggione (Seja:Digital) e Rafael Alvarez (Alvarez & Marsal) pelas valiosas contribuições a este artigo.
Ricardo Castro
é Board Member e Senior Advisor A&M Performance. Conselheiro certificado pelo IBGC, com experiência como conselheiro e administrador em empresas de diversos setores. Formado em Engenharia pela UFRJ, mestre em Tecnologia da Informação pela PUC-Rio e com MBAs executivos pela Stanford, INSEAD, Kellogg, Columbia, FDC e StarSe/Nova Lisboa. Coautor do livro High Tech High Touch e professor de MBA na FIA.
ricardo.castro@accurotec.com