Educação Financeira

DO QUE É FEITA UMA VIDA BEM VIVIDA?

Entre 2008 e 2009 escrevi meu primeiro livro, A Árvore do Dinheiro, publicado em 2010 pela editora Campus. Naquela época, uma das questões que mais me intrigava era a relação entre dinheiro e felicidade, tema recorrente dentro da chamada Psicologia Positiva.

No livro, apresentei o modelo do psicólogo Martin Seligman, que então apontava três fatores fundamentais para a felicidade: prazer, engajamento e significado. Anos mais tarde, ele reformulou sua proposta e criou o modelo PERMA, composto por cinco elementos: emoções positivas (Positive Emotions), engajamento (Engagement), relacionamentos (Relationships), significado (Meaning) e realizações (Accomplishment). Daí surgiu o acrônimo PERMA.

De minha parte, também revi minha própria definição de felicidade, tema que retomei em inúmeras palestras e artigos ao longo dos anos, como, por exemplo, no artigo publicado na Revista RI em abril de 2015. Substituí o tripé inicial por quatro pilares: prazer, pertencer, propósito e, por fim, transcendência. Esta última representa um certo apaziguamento diante da consciência da nossa finitude, consciência que nos foi legada pelo córtex pré-frontal e que inevitavelmente carrega consigo a angústia da mortalidade.

Essa reflexão sobre transcendência conecta-se a um autor por quem tenho profunda admiração: Eduardo Giannetti. Em seu recente livro Imortalidades, ele reconhece essa angústia existencial da finitude e explora quatro formas pelas quais os seres humanos buscam driblá-la: prolongando a vida, cultivando esperanças supraterrenas, alimentando expectativas terrenas e mergulhando no presente absoluto.

Sou extremamente cético em relação às tentativas de prolongar indefinidamente a vida ou às promessas de vidas supraterrenas. Por isso, concentrei-me nas duas últimas possibilidades. Expectativas terrenas remetem à ideia de que podemos “permanecer vivos” através daquilo que deixamos no mundo, legados que resistem ao tempo, como descendentes, obras artísticas, científicas ou intelectuais, instituições ou projetos que carregam o nosso nome.

Já o presente absoluto refere-se a viver de maneira tão intensa o instante presente que o fluxo do tempo parece suspenso. É o mergulho total no agora, em que passado e futuro deixam de importar e a pessoa experimenta uma sensação de eternidade dentro do próprio instante vivido.

Essas duas formas de enfrentar a finitude se conectam muito com uma questão que tenho pensado com frequência: o que faz uma vida ser, de fato, bem vivida? A dicotomia entre viver apenas o agora ou alimentar uma criteriosa reflexão sobre nossos atos e o impacto deles no futuro dos nossos semelhantes é um dilema diante do qual tendo sempre a escolher o segundo caminho.

Sócrates e Platão afirmavam que uma vida sem reflexão é uma vida pobre. Ainda assim, me intriga conviver com tantas pessoas que aparentam viver plenamente como se não houvesse amanhã, entregues à busca de prazeres imediatos e ao hedonismo.

O hedonismo é uma das mais antigas e persistentes correntes de pensamento sobre a vida boa. Desde a Grécia Antiga, seus defensores sustentam que o prazer é o bem supremo e que a felicidade consiste em maximizar experiências agradáveis e minimizar dores. Essa concepção, no entanto, sempre foi alvo de críticas: diversas tradições filosóficas e religiosas se ergueram justamente para negar que o prazer seja a medida da vida.

No livro de Giannetti, conheci a história do imperador Sardanápalo, um hedonista convicto tanto em vida quanto após a morte, que teria mandado gravar em sua lápide uma ode aos prazeres. Entre as versões registradas, a que mais me chamou a atenção foi esta: “Come, bebe, diverte-te: o resto não vale nada.”

Vejo muitos discípulos de Sardanápalo por aí, mesmo que provavelmente desconheçam sua existência. Olho para eles com um misto de admiração e desprezo: admiração pela aparente leveza com que vivem, desprezo pela superficialidade de uma vida sem reflexão. Gostaria, às vezes, de ser capaz de viver assim, feliz, sem o incômodo das perguntas, sem o escrutínio constante de valores morais. Mas em mim a reflexão sobre o sentido da vida está entranhada de forma irreversível. Por isso, sei que viver apenas na busca incessante pelo prazer não me traria alegria. Ainda assim, venho tentando abrir mais espaço para uma vida mais focada no presente e menos preocupada com o futuro.

Aristóteles costumava afirmar que a virtude está na média. A ideia da justa medida sempre me pareceu adequada para aquilo que é meio na vida, mas insuficiente para aquilo que é fim. Buscar equilíbrio entre os prazeres da mesa e o cuidado com a saúde faz sentido. O mesmo vale para o consumo presente e o cuidado com as finanças do futuro. Mas aceitar a mediocridade como fim em si mesmo é arriscado demais.

No que diz respeito às nossas relações afetivas, ao trabalho e ao propósito da vida, o meio-termo pode ser o maior dos riscos. Se temos um casamento terrível, é provável que pulemos fora. Se temos um trabalho insuportável, cedo ou tarde, desistimos. Mas, se ambos são apenas medianos, corremos o risco de passar a vida inteira presos a eles, acomodados no morno, sonhando apenas com o dia da aposentadoria.

Aos 63 anos, sei que já vivi a maior parte da minha vida e olho para o futuro com a certeza de um fim não tão distante. Tenho buscado dar mais espaço ao hedonismo, mas reconheço que essa nunca foi minha natureza.

Escrevo este artigo em um belo dia de sol de inverno em Florianópolis, quando tudo convidava a uma caminhada à beira da Lagoa da Conceição. No entanto, o compromisso de entregar o texto no prazo, aliado à antecipação do prazer de vê-lo publicado e à possibilidade de provocar alguma reflexão em você, leitor, me fez abdicar do lazer imediato em favor de um sentimento maior de propósito.

Talvez uma vida bem vivida se encontre justamente nesse balanço: entre deixar algo que permaneça e viver intensamente o instante; entre refletir sobre o futuro e saborear o presente absoluto. Sei que não tenho respostas universais, apenas o caminho que escolhi trilhar, mais próximo da reflexão do que do hedonismo, mais atento ao impacto no outro do que à busca incessante pelo prazer.

Mas, se ao final desta leitura você parar por um instante para pensar na sua própria vida, no que é meio e no que é fim, no que pode ser morno e no que merece intensidade, então acredito que a troca terá valido a pena.

Jurandir Sell Macedo, CFP
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e diretor da Alento Educação Financeira.
jurasell@gmail.com


Continua...