Estamos a menos de seis meses do início do período de transição da reforma tributária. Apesar de a reforma estar batendo às portas, ainda há muitas incertezas, situação que, de certa forma, era previsível, dadas as substanciais mudanças que a Emenda Constitucional 132 provocou no sistema tributário brasileiro, particularmente na tributação do consumo.
Apenas para lembrarmos, a reforma tributária substitui cinco tributos – IPI, ICMS, ISS, PIS e COFINS – por dois – IBS e CBS –, que, na verdade, são “irmãos siameses”, já que são regulamentados pela mesma lei complementar. Haverá também um resíduo de IPI (para produtos com produção na Zona Franca de Manaus que sejam fabricados em outras regiões) e o Imposto Seletivo, mas com efeitos restritos a alguns setores/produtos. Com a entrada em vigor da CBS, deixaremos de ter tributo sobre a receita (o que será mantido apenas para algumas atividades específicas), sendo gravadas as atividades comerciais, não exatamente seu resultado.
Os tributos sobre o consumo atuais, normalmente, são calculados “por dentro”, isto é, eles são considerados na própria base de cálculo, o que implica diferença entre a alíquota nominal e a alíquota efetiva; os novos tributos serão agregados ao preço, não compondo a sua própria base de cálculo. Com isso, haverá clareza quanto ao montante de tributo que o consumidor pagará em cada produto ou serviço, já que a alíquota nominal passará a ser a alíquota efetiva.
Atualmente, há diversos pontos de contencioso entre fisco e contribuinte em relação à tomada de crédito fiscal para cumprir a não cumulatividade; com isso, há resíduo tributário durante toda a cadeia de produção e consumo; com a reforma tributária, a não cumulatividade será ampla, sem a restrição ao crédito fiscal, com apenas exceções pontuais. Se o contribuinte acumular créditos de IBS e CBS, a legislação promete que a restituição a esse contribuinte será rápida – o tempo mais longo seria de 6 meses e 15 dias a partir do pedido de restituição. Cabe rememorar, de toda forma, que o direito ao crédito de IBS e CBS não nasce mais com a entrada do produto/serviço ou com a realização da operação sujeita aos tributos, mas sim, com o recolhimento, pelo fornecedor, pelo cliente (recolhimento antecipado) ou por meio do chamado split payment.
Outra discussão muito presente no sistema tributário atual é a incidência de ISS, ICMS ou nenhum desses tributos. Por exemplo, a locação de bens móveis e imóveis, por não ser serviço, não está sujeita ao ISS, nem ao ICMS. Outro exemplo é o caso do software que, depois de muita discussão sobre se estaria sujeito ao ISS ou ao ICMS, o Supremo Tribunal Federal decidiu que deveria ser ISS. Com IBS e CBS, essas discussões acabam – produtos, serviços, operações imobiliárias, operações financeiras etc. estarão sujeitos à tributação pelos mesmos tributos, ou seja, por CBS e IBS. Em outras palavras, a reforma tributária acabou com a maioria das diferenças de tratamentos entre atividades econômicas; isto é, venda de mercadorias, prestação de serviços, locações e cessão de direitos serão tributados da mesma forma (um terceiro efeito da neutralidade tributária).
Apesar de o tema tributário ser tratado por especialistas, as modificações da reforma tributária provocarão reposicionamento estratégico para as empresas. De um lado, a mudança de timing no reconhecimento dos créditos tributários, somada à ampliação da tomada de crédito fiscal em razão da não cumulatividade (neutralidade do tributo), afetará o setor no qual se opera, e os custos dos suprimentos das empresas, exigindo renegociação contratual, especialmente do preço, com fornecedores. De outro lado, o possível aumento ou a possível diminuição de carga tributária, a depender da atividade, e a cobrança dos novos tributos “por fora” (também efeito da neutralidade do tributo), isto é, não embutido no preço, mas acrescido ao preço do bem, do serviço ou do direito, exige a avaliação da área comercial, especialmente com relação à formação de preço e a renegociação contratual com os clientes.
Com esses efeitos em mente, podemos destacar esses principais pontos que devem afetar a análise de investimentos:
Como é possível perceber, a reforma tributária impacta diretamente as finanças corporativas, provocando mudanças nas diversas demonstrações contábeis: balanço patrimonial, demonstração do resultado, demonstração dos fluxos de caixa e, para as companhias abertas, demonstração do valor adicionado. O efeito da reforma tributária, então, deverá ser coerente nesses diversos relatórios financeiros.
Ana Claudia Akie Utumi
é sócia de Utumi Advogados. Doutora (USP) e Mestre (PUC/SP) em Direito Tributário. Membro do NYU International Tax Program Practice Council. Chair do WIN - Women of the International Fiscal Association Network e membro do IFA Supervisory Board. Chair da filial brasileira do STEP - Society of Trust and Estate Practitioners. Professora de cursos de pós-graduação, incluindo Mestrado em Tributação Internacional do IBDT. Conselheira do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo.
ana.utumi@utumilaw.com
Edison Carlos Fernandes
é Sócio do Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados. Doutor em Direito (PUC/SP). Professor da FGV e membro do Comitê de Pronunciamentos Contábeis - CPC.
edison.fernandes@fgv.br