Voz do Mercado

CFD/FOREX & O MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Um alerta para proteger investidores e preservar a integridade do segmento
Os Contracts for Difference (“CFDs”) e o Foreign Exchange (“Forex”) são derivativos utilizados para negociar a variação de preços de determinados ativos, sem que haja, de fato, a compra desses ativos. No caso dos CFDs, a operação consiste em um contrato entre um investidor e uma contraparte, que liquida apenas a diferença entre o preço de abertura e o de fechamento de uma posição, podendo o ativo de referência ser uma ação, índice, commodity, moeda, ETF ou até mesmo um criptoativo. Já o Forex corresponde ao segmento do mercado de câmbio voltado para a negociação de pares de moedas — como dólar/euro ou dólar/iene — em que o investidor aposta na valorização ou desvalorização de uma frente à outra.

Embora sejam produtos amplamente negociados no exterior, muitas vezes com elevada alavancagem, no Brasil sua oferta, distribuição e intermediação estão sujeitas à regulação da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”), sendo vedada a atuação de entidades não autorizadas.

A negociação de contratos de CFD ou FOREX deve ser realizada em mercados organizados de bolsa ou de balcão e, nos termos do art. 2º, § 4º da Lei nº 6.385/1976, deve contar com estrutura de compensação e liquidação, a fim de mitigar riscos de contraparte e outros riscos operacionais.

A IOSCO (International Organization of Securities Commissions), em relatório publicado em 2016, já havia destacado preocupações sobre a distribuição de CFD ou FOREX para investidores de varejo. Entre os pontos levantados estavam:

  • alta volatilidade;
  • assimetria de informações;
  • complexidade na precificação;
  • riscos de práticas inadequadas por intermediários.

Em outubro de 2024, a CVM divulgou versão atualizada de material da Série Alertas sobre CFDs e Forex. O objetivo foi esclarecer as características e o funcionamento desses instrumentos e alertar para os riscos associados às ofertas irregulares — especialmente quando realizadas por instituições não autorizadas a atuar no mercado brasileiro —.

Essa retomada do tema ocorreu em um contexto de expressivo volume de consultas, denúncias e reclamações relacionadas a tais operações. Muitos casos resultaram na edição de atos declaratórios determinando a suspensão de atividades irregulares (stop orders) e na instauração de processos administrativos sancionadores. A Autarquia reforçou a necessidade de orientar o mercado sobre a distribuição e negociação de derivativos fora do ambiente organizado.

O mercado de CFD e Forex é tipicamente eletrônico e os produtos normalmente oferecidos com o uso da internet. O cenário inclui também situações em que canais digitais vêm sendo utilizados para ofertar CFDs e Forex a investidores no Brasil, sem observância das exigências regulatórias aplicáveis. Nessas circunstâncias, há riscos não apenas para os investidores, mas também para todas as pessoas e entidades envolvidas na cadeia de distribuição ou negociação desses instrumentos.

Enquadramento no Arcabouço Legal
A Lei nº 6.385/1976 estabelece a competência da CVM para disciplinar, normatizar e fiscalizar o mercado de valores mobiliários no Brasil.

O artigo 2º, inciso IX, inclui expressamente, no conceito de valores mobiliários, os contratos derivativos. Essa previsão alcança operações que, embora irregularmente realizadas fora de ambientes organizados, gerem obrigações e direitos com base na variação de preços de ativos de referência — como ocorre com algumas situações irregulares de operações com CFDs e Forex.

Por se enquadrarem nessa definição, quando ofertados no território nacional ou direcionados a investidores brasileiros, os CFDs e o Forex estão sujeitos à legislação e à regulamentação da CVM. Isso significa que sua oferta, negociação, intermediação ou distribuição somente pode ocorrer por participantes autorizados e em conformidade com as regras aplicáveis, inclusive quanto à transparência de informações e à mitigação de riscos.

A Resolução CVM nº 135/2022 dispõe que a negociação de derivativos deve ser realizada em mercados organizados autorizados pela Autarquia ou, no caso de operações de balcão, por instituições devidamente registradas. A oferta, a intermediação ou a distribuição de CFDs/Forex por entidades não autorizadas configuram infração administrativa. As penalidades previstas na Lei nº 6.385/1976 incluem advertências, multas e até a inabilitação temporária ou definitiva para o exercício de cargos de administração ou gerência em instituições do mercado.

Abrangência da Vedação
A vedação não se limita à concretização da operação e pode alcançar, também, os esforços de captação de clientes para esses produtos, quando não observadas as autorizações e exigências da CVM. Recomenda-se atenção para:

  • veiculação de material publicitário;
  • campanhas de marketing digital; e
  • oferta de cursos ou treinamentos que, direta ou indiretamente, induzam investidores brasileiros a contratar com plataformas estrangeiras não registradas.

Essa abordagem está alinhada à de outras jurisdições, nas quais o enquadramento jurídico dos CFDs/Forex como valores mobiliários ou instrumentos financeiros regulados impõe requisitos de registro, regras de conduta, divulgação de riscos e limites operacionais.

A convergência internacional reflete a preocupação comum com a complexidade e a alavancagem embutidas nesses contratos, bem como com o histórico de perdas significativas de investidores de varejo.

Formas de Atuação Irregular e Responsabilidades
As ofertas irregulares de CFDs e Forex voltadas ao público brasileiro têm se estruturado de diferentes maneiras, entre as quais:

  • utilização de ações de marketing para divulgação de plataformas;
  • uso de links promocionais ou códigos de indicação em redes sociais;
  • campanhas segmentadas de marketing digital direcionadas a públicos específicos no Brasil;
  • disponibilização de sites e materiais exclusivamente em português;
  • comparação dos CFDs/Forex com produtos regulados pela CVM, sugerindo semelhança inexistente; e
  • parcerias com empresas estrangeiras para repasse de dados de clientes ou compartilhamento de receitas.

Em alguns casos, cursos ou treinamentos sobre “trading” podem funcionar como porta de entrada para direcionar investidores a plataformas não autorizadas.

Nesse contexto, a realização de esforços de captação de clientes para esses produtos quando não observadas as autorizações e exigências da CVM também pode ter consequências administrativas.

A responsabilidade pela oferta irregular pode não se limitar à pessoa jurídica diretamente envolvida na execução das ordens, sendo possível alcançar também:

  • a instituição que mantém relação contratual com o investidor, ainda que por meio de filial, subsidiária ou representante;
  • pessoas físicas ou jurídicas que promovam, intermedeiem ou auxiliem na captação de clientes, inclusive por meio digital, comissionados ou não;
  • administradores, diretores e representantes legais das entidades que participem do esquema; e
  • empresas estrangeiras que direcionem esforços de marketing e captação ao público brasileiro, mesmo que por intermédio de terceiros.

A caracterização da responsabilidade dependerá da conduta específica e do vínculo com a operação irregular. As sanções variam conforme a natureza da infração (administrativa, civil ou penal).

Riscos aos Investidores
O investidor que contrata CFDs ou realiza operações de Forex por meio de plataformas não autorizadas pela CVM assume riscos jurídicos e econômicos relevantes.

Essas operações não contam com mecanismos formais de supervisão nem com garantias de execução ou liquidação. Isso significa que ordens podem não ser cumpridas, saldos podem não ser honrados e não há estrutura de compensação que atue em caso de inadimplência da contraparte.

A ausência de salvaguardas regulatórias também compromete a transparência sobre custos, taxas, prazos e políticas de encerramento compulsório de posições (stop out).

Em muitas situações, o investidor se depara com cláusulas contratuais regidas por legislação estrangeira e jurisdição fora do Brasil, o que dificulta a resolução de litígios e a efetividade de eventual decisão judicial ou arbitral.

No caso de contrapartes sediadas no exterior, a execução de decisão judicial brasileira depende, em regra, de homologação por tribunal estrangeiro, sujeita a requisitos próprios da jurisdição de destino — barreira que dificulta e pode inviabilizar a reparação integral dos prejuízos —.

Medidas de Prevenção
CFDs e Forex até podem ser considerados instrumentos legítimos, mas, no Brasil, sua negociação fora das regras da CVM coloca em risco não apenas o patrimônio do investidor, mas a própria credibilidade do Mercado de Capitais. Não à toa, a CVM tem emitido alertas públicos, instaurado processos administrativos e expedido atos declaratórios para suspender atividades irregulares. Além da atuação repressiva, a Autarquia enfatiza a importância da prevenção. O investidor pode e deve sempre consultar o cadastro de participantes no site da CVM antes de investir. O mercado, por sua vez, deve adotar políticas de compliance e due diligence para evitar associação com práticas irregulares.

É sempre bom lembrar: proteger o investidor e preservar a integridade do sistema exige ação coordenada entre repressão a ofertas irregulares, um trabalho forte de educação financeira e cooperação internacional.

Por sinal, a experiência internacional demonstra que a combinação de supervisão ativa, exigência de registro e fiscalização sobre marketing e publicidade são formas eficazes de reduzir riscos. Diversas jurisdições já impõem restrições específicas à distribuição desses produtos para investidores de varejo, incluindo limitação de alavancagem, proibição de bônus de abertura de conta e exigência de divulgação clara de riscos.

Para concluir, uma reflexão valiosa: no mercado de valores mobiliários, informação e regulação não limitam oportunidades. Elas criam o ambiente seguro para que o investimento seja, de fato, um caminho de construção de patrimônio, e não uma aposta de alto risco disfarçada de promessa de lucro rápido.

João Pedro Nascimento
é professor da FGV Direito Rio. Foi presidente da CVM - Comissão de Valores Mobiliários, entre julho/2022 e julho/2025. 
joao-pedro-nascimento@live.com


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