Ponto de Vista

MERCOSUL & UNIÃO EUROPEIA: MAIS RELEVANTE DO QUE NUNCA

O acordo comercial entre os países do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai) e a União Europeia continua ocupando espaço relevante na política econômico-financeira dos países associados e as discussões se arrastam há mais de 20 anos. Em diferentes momentos, nesse longo período, quando parecia que as arestas estavam aparadas, reações, principalmente dos setores da Europa (poucos, mas representativos como os agricultores franceses) não permitiram que os termos finais fossem aceitos, seguidos de sucessivos adiamentos para que o acordo não se tornasse uma realidade.  

O Mercosul vive um momento de intensa reavaliação de seus fundamentos originais. Desde sua criação em 1991, o bloco foi marcado por fortes assimetrias: o Brasil responde por cerca de 70% do PIB do Mercosul, o que dificulta a coordenação macroeconômica entre seus membros e impede que o país-líder atue como “âncora” da região. As instituições do bloco não têm autoridade comum forte (não há moeda única, o Parlamento do Mercosul só faz recomendações) e a Tarifa Externa Comum (TEC) média ainda é relativamente alta (cerca de 11,5%).

Essa estrutura aduaneira rígida, idealizada para proteger o mercado interno, acabou tornando o Mercosul relativamente “fechado” – com tarifas médias duas vezes maiores que as do Chile e quatro vezes maiores que as da UE/EUA. Em suma, os membros mantêm grande autonomia nacional, mas poucos mecanismos efetivos de mediação de conflitos – um legado que se mantém até hoje, conforme análises sobre os desafios institucionais do bloco.

Em sua fase inicial, o acordo foi de grande importância para indústrias brasileiras que olharam o mercado externo com seu grande potencial. Foi um importante início de visão externa e abertura do mercado.

Os acordos enfrentavam resistências de como demandas ambientais e de conteúdo local impostas pela UE atrasaram a ratificação: a Argentina, por exemplo, exige a revisão do texto original alegando que ele não se ajusta mais ao contexto atual.

O Brasil apresentou contrapropostas, renegociando pontos como compras governamentais e salvaguardas setoriais para proteger suas indústrias 
Internamente, persistem conflitos sobre abertura versus protecionismo. Países como Brasil e Argentina divergem sobre diminuir a Tarifa Externa Comum - TEC - e liberalizar o comércio externo ou manter alguma proteção para indústrias domésticas.

Ainda assim, foi concluído um tratado comercial com a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA) – Noruega, Suíça, Islândia, Liechtenstein – elevando a perspectiva de mais comércio intrarregional.

Por fim, os países associados valorizam mais negociações autônomas. O Uruguai, cujo maior parceiro é a China, sinaliza querer acelerar uma “parceria de livre comércio”, mas esbarra no estatuto de membro pleno – e está “impedido de assinar um acordo de livre-comércio com a segunda maior economia do mundo devido à sua participação no Mercosul”. 

Divergências políticas internas 
Além dos aspectos econômicos, o Mercosul sofre tensões políticas. A integração econômica permitiu “encapsular” diferenças externas Brasil-Argentina por anos, mas esse equilíbrio continua sendo questionado.

Mudanças de governo e ideologia desmontaram o ambiente de cooperação: após o ciclo de governos progressistas (década de 2000), ascenderam líderes com agenda liberal (Mauricio Macri, Jair Bolsonaro) e agora ultraliberal (Javier Milei)., abrindo mão de um projeto de integração amplificado, chegando a chamar o Mercosul de um “fardo” para a economia argentina. 

O Presidente da Argentina disse que o bloco “acabou se tornando uma prisão” para seus membros. Mais recentemente é perceptível que Milei esteja moderando sua posição. A derrota do seu partido nas eleições recentes (setembro 2025) talvez possa ajudar mudança de sua postura. 

Essa retórica reflete o pessimismo em parte do empresariado: apontam que, sem liberdade para fechar acordos externos, Argentina e Uruguai estariam numa posição pior dentro do Mercosul. 

As divergências não se limitam a Brasil–Argentina. O Uruguai reivindica flexibilização, enquanto Paraguai e o bloco disputam nas cúpulas questões como financiamento de infraestrutura regional. Projetos de integração (como a Rota Bioceânica e pontes transfronteiriças) são vistos com otimismo pelos governos – até para o senado brasileiro, pois “projetos de infraestrutura são essenciais para facilitar as transações econômicas” regionais. 

Os defensores do acordo continuam acreditando que nesse mundo bipolar, o Mercosul é um importante instrumento para o Cone Sul posicionar-se na geopolítica mundial. Se já era importante, com as tarifas impostas por Trump, ficou fortalecido.

Perspectivas e desafios 
Atualmente o Mercosul tenta recompor seu papel estratégico. Na presidência pro tempore (2025) do Brasil, o presidente Lula listou prioridades como fortalecer o comércio intrabloco com a UE, promover a transição energética e incentivar a cooperação em segurança e desigualdade social.

O bloco também concluiu o acordo com a EFTA e retoma negociações com Ásia e América Central, em busca de dinamismo.

Em termos institucionais, observa-se uma pressão por maior profundidade: especialistas sugerem reforçar o Mercosul expandindo sua atuação além do comércio, investindo em infraestrutura, pesquisa e inovação tecnológica. 

Divergências ideológicas ameaçam unidade: questões ambientais, reforma da TEC e até a reintegração da Venezuela continuam pendentes. Para muitos analistas, o Mercosul somente terá futuro se superar discordâncias internas e construir instituições mais robustas. 

Em síntese, o estado atual do Mercosul reflete fielmente os conflitos listados no trecho base: por um lado, o bloco ainda é visto como plataforma de cooperação (e possui agendas importantes de negociação); por outro, sofre de séria falta de consenso e mecanismos efetivos de integração. O diagnóstico é consensual entre especialistas e governos: sem um impulso renovado – seja pela industrialização regional ou pela consolidação de regras claras – o Mercosul seguirá entre crises e incertezas.

Nesse contexto, ainda assim, o cenário bilateral entre Brasil e Argentina apontam saldo de US$ 9 bilhões para o Brasil no primeiro semestre de 2025. Nesse momento em que os Estados Unidos aumentam impetuosamente suas tarifas o Mercosul teve sua importância ressaltada. 

No meu livro “O Brasil tem medo do mundo? O mundo tem medo do Brasil?” (Editora Noeses /2021), temos um capítulo totalmente dedicado ao Mercosul (pags. 65 a 84). Nele, é possível encontrar detalhadamente desde sua Constituição tudo que aconteceu com o acordo até quando de sua edição. 

Após várias aproximações, recentemente foi anunciado que o acordo com a União Europeia estaria prestes a ser alterado, com a separação da parte comercial do contexto geral, o que facilitaria a negociação com grupos antagônicos.

Sempre fui da opinião que o acordo União Europeia / Mercosul é do maior interesse para os países do Cone Sul e para União Europeia. Se já achava que o acordo fazia todo sentido, ficou evidente que essa bipolaridade da China, Rússia e Índia de um lado e os Estados Unidos do outro com alguns países, tornou-se fator importante para politicamente fortalecer o papel negociador do Mercosul. Assim, faz todo sentido para a União Europeia ter uma associação comercial com o cone Sul que tem vantagens competitivas e comparativas não desprezíveis. Esse é o tipo de acordo que seria bom para ambas as partes. 

O fator “Trump” é crítico para urgência. Com aval da Comissão Europeia, perspectiva é de assinatura até o Natal. 

O Tratado, que como dissemos vem sendo negociado mais de 20 anos com a decisão de ser fatiado, deve ser aprovado pelo Conselho de ministros e no Parlamento europeu. 

A aprovação do novo rascunho foi viabilizada pela inclusão salvaguarda sólidas para proteger os agricultores franceses, que como mencionado anteriormente, desde as primeiras discussões antagonizaram o acordo. 

O novo pacto precisa ser aprovado pelos países membros pelo Mercosul e pelos países da União Europeia com o apoio dos respectivos Parlamentos dos países envolvidos. 

É agora ou nunca!

Roberto Teixeira da Costa
é economista, fundador e primeiro presidente da CVM - Comissão de Valores Mobiliários, e autor de vários livros.
teixeiradacostaroberto@gmail.com


Continua...