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Nos últimos anos, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) teve a oportunidade de construir uma nova arquitetura institucional, regulatória e desenvolvimentista, que está redesenhando os contornos do financiamento no país e que tende a apresentar cada vez mais resultados quando as condições macroeconômicas estiverem mais favoráveis no Brasil. O que antes parecia distante - um Mercado de Capitais inclusivo e competitivo - começa a se materializar como um horizonte cada vez mais palpável.
Os frutos dessa transformação se traduzem em indicadores econômicos mensuráveis: o crescimento do número de investidores individuais; o ganho de capilaridade do Mercado de Capitais, que agora está presente no campo e na cidade, em todas as regiões do Brasil; a modernização de regras estruturantes, como os marcos regulatórios dos fundos de investimento e dos assessores de investimento; a integração das finanças sustentáveis e digitais; a criação do Fácil e de outros caminhos para a abertura de espaço a novos emissores, investidores, intermediários e infraestruturas de mercado, a fim de criar um ecossistema mais amplo e plural.
Essa trajetória não começou da noite para o dia. Após os anos de volatilidade provocados pela pandemia, que interromperam um ciclo de IPOs recordes em 2019 e 2020, o Brasil se viu diante da necessidade de repensar a sua estrutura de financiamento. A dependência quase exclusiva do crédito bancário e dos modelos de financiamento tradicionais, em um país com taxas de juros estruturalmente elevadas, mostrou-se insuficiente para sustentar segmentos de negócio tradicionais e setores de indústria inovadores. Nesse contexto, fortalecer o Mercado de Capitais não era apenas uma escolha: tornou-se uma condição para o futuro do país.
Financiamento, Pessoas e Tecnologia
Nenhuma transformação regulatória é possível sem bases sólidas. A CVM teve um plano de gestão executiva construído de forma coletiva, que proporcionou uma recomposição de capacidade no período entre 2022 e 2025. O aumento orçamentário — de R$ 11,7 milhões em 2022 para R$ 36 milhões em 2025 — simbolizou mais do que recursos: representou a recuperação do reconhecimento institucional da CVM para o desenvolvimento econômico brasileiro.
Para além dos recursos financeiros, a Autarquia, finalmente, conseguiu a recomposição do quadro técnico após 14 anos sem concursos públicos. Ainda que o número tenha sido aquém do necessário após tanto tempo sem reforços, a chegada de novos servidores renovou a energia institucional e permitiu à CVM ampliar sua atuação em áreas estratégicas. Mais do que isso, fortaleceu a independência técnica da instituição, que é essencial em um ambiente marcado por forte escrutínio público e pressões de curto prazo. Além disso, contratos celebrados com outros órgãos do serviço publico federal permitiram, também, a movimentação de servidores de outras casas para fortalecer a CVM, que historicamente viviam um descompasso entre o crescimento do mercado e a redução do número dos seus servidores.
O investimento em tecnologia foi outro divisor de águas. A CVM buscou se posicionar como regulador mais tecnológico, incorporando ferramentas digitais avançadas de supervisão, análise de dados em tempo real e monitoramento preditivo. Esse salto tecnológico busca colocar o Brasil em linha com práticas de órgãos de referência, como a SEC nos Estados Unidos ou a ESMA na União Europeia, a fim de garantir maior eficiência e assertividade nas atividades de supervisão e fiscalização dos diversos segmentos que integram o Mercado de Capitais, que é cada vez mais tecnológico.
A CVM mostrou que, se tiver financiamento adequado e consistente, com profissionais qualificados e em número suficiente, mediante a utilização de tecnologia a Autarquia será capaz de funcionar como motor de inovação e desenvolvimento para o país.
Revolução Regulatória
No campo normativo, os últimos três anos foram indiscutivelmente intensos e produtivos, como resultado da dedicação dos servidores de carreira da CVM e da existência de um direcionamento claro sobre os caminhos a serem seguidos. A edição de 70 (setenta) Resoluções CVM (RCVM) não foi mero exercício de volume: cada norma respondeu a uma necessidade concreta, seja de atualização, simplificação ou alinhamento internacional.
Alguns exemplos de destaque estão listados a seguir:
Número |
Assunto |
RCVM 166 |
Marco Legal das Startups. Flexibilizou exigências de publicações legais por parte de companhias abertas de menor porte, a fim de reduzir custos e simplificar o empreendedorismo. |
RCVM 168 |
Voto Plural e Conselheiros Independentes. Regulamentou a Lei nº 14.195/2021, que havia promovido mudanças na Lei nº 6.404/1976. |
RCVM 175 |
Marco Regulatório dos Fundos de Investimento: Adequou as regras aplicáveis aos fundos de investimento no Brasil aos melhores padrões internacionais, tendo ainda regulamentado a Lei da Liberdade Econômica. Este marco regulatório consolidou 38 normas esparsas em um arcabouço regulatório único e integrado, modernizando as regras vigentes em aspectos, admitindo, dentre outras inovações, a possibilidade de previsão de limitação de responsabilidade; aplicação do regime de insolvência; e a criação de classes de cotas. |
RCVM 178 e 179 |
Marco Regulatório dos Assessores de Investimento, modernizou as regras aplicáveis a este segmento tão relevante para a as atividades de intermediação, reconhecendo a importância dos assessores de investimento, com diversas inovações, como – por exemplo – o fim da obrigação de exclusividade e a possibilidade de pessoas jurídicas se organizarem sob qualquer tipo societário admitido na legislação em vigor. Adicionalmente, introduziu regras de transparência e divulgação de informações sobre remuneração, a fim de prevenir situações de conflito de interesses na recomendação de produtos para clientes. |
RCVM 183 |
Brazilian Depositary Receipts (BDR). Aperfeiçoou os mecanismos de proteção aos investidores do Mercado de Capitais interessados em BDRs, permitindo que investidores brasileiros tenham acesso a produtos do exterior, preservando o conteúdo local e reduzindo o risco de “exportação” do Mercado de Capitais do Brasil. |
RCVM 193 |
Reportes de Sustentabilidade: Pioneirismo brasileiro ao facultar a possibilidade de adoção voluntária do relatório de informações financeiras relacionados à sustentabilidade emitidas pelo International Sustainability Standards Board (ISSB), de forma consistente com a abordagem da IOSCO (International Organization of Securities Commissions). |
CVM 198 |
Formulário de Referência: Inserção de campo específico para divulgação de informações sobre o contingente de pessoas com deficiência (PcD) em linha com regras da OCDE. |
RCVM 204 |
Alteração da RCVM 81, a fim de introduzir inovações às Assembleias de Acionistas, como a ampliação da possibilidade de votação a distância e simplificação dos mecanismos para participação, presencialmente ou remota, a fim de encorajar a pluralidade dos acionistas a exercerem os seus respectivos direitos. |
RCVM 206 |
Fundo de Investimento Pro-Recicle |
RCVM 209 e 210 |
Portabilidade de Investimentos: Aprimorou a experiência dos usuários do Mercado de Capitais simplificando os mecanismos aplicáveis no caso de transferência de custódia de seus investimentos, por meio da adoção de regras de portabilidade de investimentos em valores mobiliários. Esta regra conectou o Open Capital Markets da CVM com o Open Finance do BC, proporcionando o empoderamento do investidor e a integração entre a CVM e o BC. |
RCVM 214 |
FIAGRO: Regulação definitiva dos Fundos de Investimento em Cadeias Produtivas Agroindustriais, com a inclusão do Anexo VI na RCVM 175, a fim de aproximar ainda mais o Agronegócio do Mercado de Capitais. |
RCVM 215 e 216 |
OPAs - Ofertas Públicas de Aquisição de Ações: modernizou e simplificou as regras aplicáveis às OPAs, com simplificações procedimentais e abordagem flexível, além de mudança sistêmica na OPA por Aumento de Participação e na OPA de Cancelamento de Registro. |
RCVM 217 e 218 |
Pronunciamentos Técnicos CBPS Nº 01– Requisitos Gerais para Divulgação de Informação Financeira relacionadas à Sustentabilidade e o Nº 02– Divulgações Relacionadas ao Clima, ambos emitidos pelo Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS). |
RCVM 223 |
Orientação Técnica OCPC 10 – Créditos de Carbono (tCO2e), Permissões de Emissão (allowances) e Créditos de Descarbonização (CBIO). |
RCVM 225 |
Cadastro de Acesso de Investidores, a norma estabeleceu, em caráter experimental, o Cadastro de Acesso de novos investidores e trouxe condições facilitadoras para o cadastramento de pessoas físicas, com nacionalidade brasileira e residentes no país, perante os intermediários de valores mobiliários. |
RCVM 226 |
Marco Legal das Garantias: Absorveu modernizações advindas da Lei nº 14.711/2023, com o propósito de reduzir o custo do capital e auxiliar no desenvolvimento do crédito corporativo no Mercado de Capitais. Dentre outros aspectos, a RCVM promoveu mudanças nas regras de debêntures. |
RCVM 231 e 232 |
Fácil: Criação de um regime regulatório especial destinado para as PMEs – Pequenas e Médias Empresas, a fim de auxiliar o desenvolvimento no Brasil. |
Resolução Conjunta BCB-CVM 13: |
Investimento de pessoas naturais e jurídicas não residentes nos mercados financeiro e de valores mobiliários. |
O fio condutor de todas essas medidas é a combinação entre segurança e abertura: preservar a confiança do investidor sem inibir a inovação.
O Mercado Aberto
Talvez, a mais ambiciosa das frentes seja a da democratização do Mercado de Capitais. Historicamente, esse espaço foi reservado a grandes emissores e investidores institucionais, com barreiras relevantes para empresas menores e para a pessoa física.
A Agenda Desenvolvimentista buscou inverter essa lógica. O projeto ABERTO (Open Capital Market), inspirado no Open Banking, visa reduzir barreiras, aumentar a competição e dar mais transparência às operações. A ideia é clara: permitir que todos os interessados, por exemplo, pequenas e médias empresas, encontrem no Mercado de Capitais um caminho viável de financiamento, com custos menores e processos mais acessíveis.
Essa agenda dialoga diretamente com o futuro da economia brasileira. Inovação tecnológica, infraestrutura, agronegócio competitivo, economia verde e transição energética exigirão volumes de recursos que o sistema bancário, sozinho, não pode oferecer. O Mercado de Capitais, quando aberto e inclusivo, torna-se o grande canal para financiar esse futuro.
O crescimento da base de investidores de varejo é outro dado relevante. De 2020 a 2025, o número de pessoas físicas na bolsa mais do que dobrou. Mas o desafio não é apenas atrair: é educar, proteger e dar confiança a esse investidor. Por isso, a CVM tem reforçado políticas de educação financeira, transparência na distribuição de produtos e supervisão sobre intermediários.
Inovação, Sustentabilidade e Inclusão
O futuro do Mercado de Capitais brasileiro será marcado por três vetores indissociáveis: inovação, sustentabilidade e inclusão.
Na inovação, a tokenização de ativos, a inteligência artificial aplicada a análises financeiras e a integração com sistemas de Open Finance prometem ampliar exponencialmente a eficiência e a acessibilidade. O Brasil tem condições de ser protagonista na adoção segura dessas tecnologias, aproveitando a regulação flexível e a experiência acumulada em sistemas digitais de pagamento, como o PIX.
Na sustentabilidade, o país detém uma vantagem estratégica inigualável: é potência em energia renovável, agronegócio e biodiversidade. O Mercado de Capitais já começa a canalizar recursos para projetos de crédito de carbono, bioeconomia e infraestrutura verde. Os chamados green bonds e instrumentos financeiros sustentáveis tendem a se multiplicar, colocando o Brasil no radar global de investidores comprometidos com a transição para uma economia de baixo carbono.
Na inclusão, o desafio é transformar o mercado em instrumento de mobilidade econômica. Isso significa dar acesso a empresas regionais, a empreendedores inovadores e a investidores de diferentes perfis. Democratizar é criar pontes: entre poupança e investimento produtivo, entre capital estrangeiro e oportunidades locais, entre inovação financeira e proteção do investidor.
De Instrumento Setorial a Pilar do Desenvolvimento Nacional
O que se desenha, portanto, é a transição do Mercado de Capitais de engrenagem setorial para pilar estruturante do desenvolvimento nacional.
Com bases institucionais sólidas, regulação moderna, tecnologia avançada e agenda inclusiva, o Brasil tem condições de tornar o Mercado de Capitais a principal fonte de financiamento de longo prazo da economia. Isso reduz a dependência do crédito bancário, aumenta a eficiência alocativa e cria uma ponte entre poupança doméstica e investimento produtivo.
Os próximos anos devem testemunhar:
Nesse cenário, o Mercado de Capitais deixa de ser um tema apenas de especialistas e passa a ocupar espaço no debate público sobre desenvolvimento, competitividade e inclusão.
O futuro já está presente
Os últimos três anos mostraram que é possível transformar uma instituição e, por meio dela, transformar um mercado. Com visão, planejamento e execução, a CVM lançou as bases de um novo capítulo na história econômica do Brasil. É motivo de grande satisfação ter podido contribuir para esse processo e compartilhar dessa construção junto a tantas pessoas comprometidas.
As sementes foram plantadas. Os primeiros frutos já se mostram. Mas o verdadeiro potencial ainda está por vir. O Mercado de Capitais brasileiro, antes restrito e concentrado, agora se abre como vetor de desenvolvimento econômico, social e ambiental.
O futuro não é apenas promissor. Ele já está presente e se expande a cada passo.
João Pedro Nascimento
é professor da FGV Direito Rio. Foi presidente da CVM - Comissão de Valores Mobiliários, entre julho/2022 e julho/2025.
joao-pedro-nascimento@live.com