Gestão

ORGANIZAÇÕES NEXIAIS

A nova era das organizações que pensam em rede, agem de forma integrada e tomam decisões com inteligência coletiva
Vivemos uma era em que a densidade informacional atingiu níveis nunca antes experimentados pela humanidade. Tomamos decisões com base em dados que chegam em tempo real, de múltiplas fontes e em formatos variados. A avalanche de inputs a que estamos submetidos não é apenas um desafio técnico. Ela cria uma disfunção cognitiva coletiva que afeta indivíduos, times e organizações inteiras.

Durante muito tempo, celebramos o modelo do “gênio conectador”, aquele profissional ou líder capaz de transitar entre disciplinas, sintetizar visões distintas e encontrar caminhos inovadores. Esse modelo funcionou bem durante o século XX. Profissionais multidisciplinares, os chamados nexialistas, eram tidos como raridades preciosas em qualquer estrutura. A figura do nexialista individual brilhou em momentos de transição ou crise, sendo peça central na inovação.

Porém, esse modelo mostra sinais de esgotamento. O mundo projetado por van Vogt, autor do clássico “The Voyage of the Space Beagle”, chegou. Em sua ficção científica, ele apresentou a ideia de um profissional especializado em integrar áreas distintas do conhecimento para enfrentar ameaças desconhecidas. A ficção se tornou realidade, mas a resposta individualizada já não dá conta da complexidade crescente. Chegou o momento de evoluirmos do indivíduo nexial para a organização nexial.

O Problema Invisível
A era do nexialista herói: A figura do nexialista surgiu como um antídoto à superespecialização. Em um cenário onde cada área do conhecimento se aprofundava em sua própria linguagem e lógica, o nexialista emergia como o integrador. Era alguém capaz de entender o suficiente de várias disciplinas para construir pontes entre elas.

Durante o século XX, esse tipo de profissional foi exaltado. Muitos dos avanços mais disruptivos nasceram do trabalho de indivíduos que conseguiram navegar entre mundos diferentes e criar soluções inéditas. Esses nexialistas não eram apenas generalistas. Eles possuíam uma combinação de visão sistêmica, empatia cognitiva e habilidade de síntese rara. Sabiam quando ouvir, quando traduzir e quando propor.

No entanto, mesmo as mentes mais brilhantes enfrentam limites. A quantidade de informação, a velocidade das mudanças e a multiplicidade de contextos desafiam até os mais capacitados nexialistas. A complexidade se multiplicou de forma exponencial.

O colapso da capacidade individual: O crescimento exponencial do volume de dados e da velocidade de mudanças cria um ambiente em que nenhuma pessoa isolada consegue mais acompanhar com profundidade todos os domínios relevantes para uma boa decisão.

O paradoxo contemporâneo é cruel. Nunca tivemos tanta informação à disposição, e nunca estivemos tão vulneráveis a decisões mal informadas. A abundância de dados cria ilusão de clareza, mas frequentemente leva à paralisia. Quanto mais informação se acessa, mais difícil se torna distinguir o essencial do acessório.

Nas organizações, essa realidade se manifesta de forma dolorosa. Líderes que precisam tomar decisões estratégicas enfrentam um cenário fragmentado, onde áreas operam de forma estanque, cada uma com suas prioridades, métricas e linguagens. A falta de conexões reais entre setores causa ruído, retrabalho, duplicação de esforços e perda de agilidade. A coordenação torna-se um esforço hercúleo e ineficiente.

Além disso, cresce a pressão para que lideranças compreendam temas que vão de transformação digital a regulação internacional, de inovação sustentável a cultura organizacional. A amplitude exigida é incompatível com a profundidade necessária. O resultado é uma sobrecarga invisível, que compromete a qualidade das decisões e alimenta a exaustão.

Estamos diante de um novo tipo de gargalo. Não mais técnico ou financeiro, mas cognitivo e estrutural. A capacidade individual de conectar, analisar e decidir chegou ao seu limite funcional.

A Solução Sistêmica
O que são organizações nexiais: Organizações nexiais são aquelas que distribuem a capacidade de conexão entre áreas como parte da sua arquitetura. Elas não dependem da genialidade de poucos nexialistas para avançar. Em vez disso, desenham estruturas que promovem o pensamento transversal, a troca contínua de saberes e a construção colaborativa de soluções.

Essas organizações operam sob uma nova lógica. Elas não veem departamentos como ilhas, mas como partes de um organismo interdependente. Os fluxos de informação são projetados para circular entre as áreas. As decisões são tomadas com base em múltiplas perspectivas. Os times são compostos de forma a garantir diversidade cognitiva e interação constante.

Trata-se de mudar o paradigma da inteligência organizacional. Em vez de buscar pessoas extraordinárias que façam pontes, constrói-se um sistema onde as pontes já estão lá. A capacidade de integrar passa a ser uma competência coletiva, sustentada por cultura, processos, tecnologia e liderança.

A organização nexial é mais resiliente porque aprende em rede. É mais inovadora porque conecta o que estava separado. E é mais eficiente porque reduz a redundância, a competição interna e o ruído entre setores.

Os quatro pilares das organizações nexiais

  1. Rituais de conexão: O primeiro passo para uma organização se tornar nexial é institucionalizar encontros interdisciplinares. É preciso criar rituais em que áreas diferentes se encontrem regularmente para compartilhar contextos, alinhar expectativas e identificar interdependências. Esses rituais não podem ser improvisados. Precisam ter pauta clara, objetivos definidos e foco em gerar valor conjunto. Quando bem estruturados, esses encontros transformam a cultura, criando um ambiente onde a escuta e a colaboração se tornam práticas cotidianas.
  2. Squads multidisciplinares permanentes: Outra característica essencial é a formação de times multidisciplinares permanentes. Ao invés de formar grupos temporários para resolver problemas pontuais, a organização nexial estabelece células fixas com autonomia e responsabilidade clara. Esses squads são compostos por pessoas de diferentes áreas que convivem e produzem juntas no cotidiano. A constância do relacionamento cria confiança, linguagem comum e entendimento profundo do negócio como um todo. A solução deixa de ser episódica e passa a ser orgânica.
  3. Fluxos de informação conectivos: Em uma organização nexial, a informação circula por padrão, não por exceção. Os sistemas de gestão, comunicação e tecnologia são desenhados para garantir que dados relevantes cheguem aos pontos certos sem depender da memória ou da boa vontade de indivíduos. Isso exige integração tecnológica, sim, mas também clareza de processos, definição de responsabilidades e uma cultura que valorize a transparência. A fluidez da informação é o combustível da conexão entre áreas.
  4. Métricas colaborativas: Por fim, é necessário reformular os indicadores de desempenho. Métricas exclusivamente departamentais incentivam competição e isolamento. As organizações nexiais adotam indicadores que só podem ser alcançados por meio da colaboração. Exemplos incluem tempo entre o insight de uma área e a implementação pela outra, redução de retrabalho entre setores, ou satisfação do cliente medida por toda a jornada. Essas métricas criam alinhamento e reforçam a interdependência como valor central.

Implementação Prática
Primeiros passos: Transformar uma organização em nexial não é um salto, mas uma jornada progressiva. E essa jornada pode começar com passos simples, de baixo custo e alto impacto.

O primeiro passo é realizar um diagnóstico honesto. Quais áreas se comunicam bem? Onde estão os silos? Que decisões são recorrentes fontes de retrabalho? Mapear os fluxos de informação e os pontos de atrito é um exercício revelador.

Em seguida, é possível implementar mudanças rápidas:

  • Estabelecer uma reunião quinzenal entre duas áreas que normalmente não interagem.
  • Criar um projeto-piloto com um squad multidisciplinar.
  • Introduzir uma métrica de colaboração no dashboard da liderança.
  • Fazer workshops de escuta cruzada, onde uma área apresenta seus desafios e outra responde com ideias.

Essas pequenas iniciativas ajudam a criar massa crítica e demonstrar o valor da conexão.

Transformação estrutural: Depois dos primeiros passos, vem a fase de consolidação estrutural. Aqui, as mudanças são mais profundas e duradouras.

É o momento de redesenhar fluxos de trabalho, rever papéis e responsabilidades, ajustar os sistemas de informação e, principalmente, transformar os critérios de avaliação. O que não é medido não é gerido.

Nesse estágio, vale também investir na formação de lideranças com visão transversal. Líderes nexiais são aqueles que promovem a integração, facilitam o diálogo entre áreas, desafiam as fronteiras e conectam pessoas com propósitos comuns.

Essa fase exige patrocínio da alta liderança, clareza estratégica e paciência. A cultura não muda da noite para o dia. Mas com disciplina e constância, os resultados começam a aparecer.

O Futuro Nexial
Inteligência artificial como parceira da conectividade: A inteligência artificial pode ser uma grande aliada das organizações nexiais. Ferramentas de IA ajudam a filtrar informações, detectar padrões, prever riscos e até sugerir conexões improváveis entre dados de diferentes áreas.

Porém, a IA não substitui o pensamento nexial. Ela o potencializa. As decisões mais relevantes continuarão dependendo da capacidade humana de formular boas perguntas, interpretar contextos, mediar interesses e tomar decisões com base em propósito.

O futuro da conectividade organizacional será uma parceria entre redes humanas e algoritmos inteligentes. As máquinas organizam os dados. As pessoas conectam os sentidos.

Para conselheiros e executivos seniores, o desafio é claro. Não se trata mais de tentar ser o nexialista que entende tudo. Trata-se de liderar o processo de construção de estruturas que integrem tudo.

É hora de revisar conselhos que ainda operam por comitês estanques, rever indicadores que incentivam a competição interna, repensar lideranças que são especialistas sem visão sistêmica.

O papel dos conselhos nesse momento é catalisar a transição. Ser os agentes que apontam para um modelo mais conectado, fluido e colaborativo. É por meio dessa arquitetura que as organizações poderão prosperar num mundo cada vez mais complexo.

Conclusão
Estamos diante de uma transição silenciosa, mas profunda. A lógica que estruturou a gestão organizacional nas últimas décadas está dando sinais de esgotamento. Por muito tempo, valorizamos o conhecimento técnico e especializado, organizamos empresas em estruturas verticais e esperamos que decisões complexas pudessem ser resolvidas por líderes excepcionais ou por departamentos isolados. Essa lógica já não se sustenta.

O aumento exponencial da complexidade, a interdependência global, a aceleração tecnológica e as novas demandas sociais e ambientais colocam as organizações diante de um novo tipo de desafio: aquele que não pode mais ser resolvido com raciocínios lineares, métricas setoriais ou talentos individuais. O que está em jogo agora é a capacidade das organizações de se tornarem sistemas vivos, adaptativos e conectados. E isso exige uma transformação estrutural e cultural que vai além da eficiência operacional.

Organizações nexiais representam uma resposta madura a esse novo contexto. Elas operam com base na colaboração real entre áreas, na integração consciente entre disciplinas, na fluidez dos dados e na valorização da inteligência coletiva. São organizações que aprendem em rede, que inovam a partir das intersecções e que tomam decisões com base em múltiplos ângulos. Não se trata apenas de uma nova forma de organizar o trabalho. Trata-se de uma nova forma de pensar o próprio papel da organização na sociedade.

Para conselhos de administração e consultivos, essa transformação implica uma revisão profunda do seu papel. O conselheiro do futuro não será apenas um especialista técnico ou um guardião dos indicadores financeiros. Ele será, acima de tudo, um arquiteto de conexões. Um facilitador de diálogos entre áreas, um tradutor de contextos complexos, um promotor de estruturas que favorecem o pensamento sistêmico.

É nesse novo território que o verdadeiro valor da governança será testado. A capacidade de orientar organizações para modelos mais colaborativos, resilientes e integrados será uma das principais competências do conselheiro estratégico. E o tempo para começar essa transformação é agora.

Não se trata de escolher entre eficiência e conexão. Trata-se de entender que, no futuro próximo, a conexão será a nova eficiência. E aqueles que não compreenderem isso correm o risco de tornar suas organizações mais rápidas… em direção à irrelevância.

Marcelo Murilo
é Co-Fundador e VP de Inovação e Tecnologia do Grupo Benner, Palestrante, Mentor, Conselheiro, Embaixador e membro do Senior Advisory Board do Instituto Capitalismo Consciente Brasil, Embaixador e Membro da Comissão ESG da Board Academy BR, colunista da HSM Management e Revista RI e Especialista do Gerson Lehrman Group e da Coleman Research – Fala sobre Inovação, Governança e ESG.
marcelo.murilo@benner.com.br


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